Apresentámos ontem, dia 11 de Janeiro, no Museu Municipal Leonel Trindade (Torres Vedras), e onde se encontra em exibição a nossa exposição "Dinossauros que viveram na nossa terra", a nova tartaruga fóssil da Colecção Paleontológica da Sociedade de História Natural: Hylaeochelis kappa.
Deixamos aqui a nota de imprensa e umas imagens.
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Reconstrução de Hylaeochelis kappa (autor: Carlos de Miguel Chaves) |
Apesar de serem menos populares, as tartarugas são um componente habitual nas jazidas com fósseis de dinossauros e em muitas ocasiões resultam tão úteis como estes
para compreender como foram os ecossistemas de há milhões de anos.
O exemplar, que vai ser publicado na revista ComptesRendusPalevol, da Academia de Ciências francesa, está composto por grande parte da carapaça encontrada na praia de Porto do Barril, em Mafra, já nos seus limites com o concelho de Torres Vedras (Portugal). Este fóssil pertence à Colecção Paleontológica do Laboratório de Paleontologia e Paleoecologia da Sociedade de Historia Natural (Torres Vedras) e foi recolhido em 2011 por José Joaquim dos Santos, um colaborador habitual desta instituição, e que durante 20 anos terá reunido um importante espólio paleontológico, entretanto adquirido pela Câmara Municipal de Torres Vedras e depositado na Sociedade de História Natural, como resultado de um protocolo de cooperação para a gestão do património paleontológico.
A análise do fóssil permitiu reconhecer que se trata de uma tartaruga de água doce, e
pertencente a um género até agora exclusivamente conhecido na Grã Bretanha, a partir
de fósseis que datam do Cretácico Inferior. Hylaeochelys kappa foi uma tartaruga que
atingiria cerca de meio metro, caracterizada por possuir uma carapaça arredondada e
muito baixa, o que permite identifica-la como um organismo de hábitos nadadores. O
exemplar português viveu há pouco mais de 145 milhões de anos e constitui, portanto, o
representante mais antigo do género e o único conhecido até ao momento no Jurássico.
Denominou-se de “kappa” esta espécie, como referencia a uma figura mitológica
japonesa com aspecto de tartaruga, os “kappas”, que parecem tomar esse nome da
vestimenta dos monges portugueses que chegaram ao Japão no século XVI, e aos que se
assemelhariam por apresentar uma espécie de tonsura.
Hylaeochelys kappa é uma forma primitiva do grupo a que pertencem a maior parte das
tartarugas actuais, ou seja, as criptodiras. Este grupo engloba a quase todas as tartarugas
de água doce, as tartarugas de carapaça mole, as terrestres e as marinhas. Durante o
Jurássico Superior deu-se a abertura do Atlântico norte e a Europa começou a ter uma
fauna diferenciada da de América do Norte. Posteriormente, durante o Cretácico, ocorre
uma profunda transformação das faunas de vertebrados, que conduz à substituição da
maior parte dos grupos antigos e a instalação de muitas linhagens novas. Assim, durante
o Jurássico, são abundantes os representantes de alguns grupos de tartarugas
exclusivamente europeias, como os plesioquélidos, que desapareceram no final deste
período. Da mesma maneira, as tartarugas cretácicas europeias não apresentavam até
agora parentes directos no Jurássico e, portanto, não se conhecia nenhum género de
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Apresentação pública |
tartarugas europeias que atravessasse esta fronteira temporal. À luz deste achado,sabemos agora que pelo menos Hylaeochelys já existia no Jurássico. Tudo parece indicar que alguns géneros de répteis Jurássicos europeus de água doce, como Hylaeochelys, mas também crocodilos, conseguem sobreviver, alcançando o Cretácico
com menos dificuldade que os seus parentes marinhos. Pode-se interpretar que alguns ecossistemas continentais nesse momento puderam ter mais estabilidade que os
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Adán Pérez Garcia (SHN/UCM), Dr. Carlos Miguel
(Presidente da CMTV), Francisco Ortega (SHN/UNED),
Bruno Camilo Silva (Presidente da SHN) |
ambientes costeiros, os quais se viram submetidos a importantes câmbios no nível do mar, no final do Jurássico, afectando drasticamente as suas populações de répteis. A fauna de vertebrados que habitou no Jurássico Superior da Bacia Lusitânica está constituída fundamentalmente por dinossauros e crocodilos, dos quais se conhece uma relativa diversidade, que serve como um excelente exemplo dos ecossistemas da Península Ibérica, de há mais de 145 milhões de anos. Os fósseis de tartarugas são muito abundantes nos sedimentos desta idade na Bacia Lusitanica, e sabe-se que a sua diversidade poderia estar composta por mais de meia dúzia de formas, mas que até agora apenas duas eram reconhecidas com precisão ao nível da espécie.
Este novo achado realiza-se no contexto da análise da fauna de vertebrados do Jurássico
Superior da Bacia Lusitânica, que se desenrola desde há uns anos no âmbito do
Laboratório de Paleontologia e Paleocologia da Sociedade de Historia Natural (Torres
Vedras) e do qual fazem parte investigadores portugueses e espanhóis.
A referência ao manuscrito é :Pérez-García, A., & Ortega, F. A new species of the
turtle Hylaeochelys (Eucryptodira) outside its known geographic and stratigraphic
ranges of distribution. ComptesRendusPalevol. doi:10.1016/j.crpv.2013.10.009.